Ela nunca é metade


Não se deixe enganar pela meiguice que parece desenhar as linhas delicadas desse rosto jovial.
E fale baixo, porque o orgulho está cochilando e pode despertar a qualquer momento.
Perceba como ela nutri uma respiração serena, enquanto a soberania reflete na sua sombra sob os cascalhos bagunçados no chão.
Tão bela, mas é fria como um bloco de gelo.
Ela cativa mas é cruel. Perdoa mas não esquece. Costuma dominar por inteiro. Ela nunca é metade. Doa e tira com a mesma intensidade.
É sabida. Se ela te desejar, fará da tua vida um inferno, pois vai te perseguir, te cercar e ter perturbar. Fará tudo para ganhar tua atenção. E vai conseguir.
Mas não se deixe enganar, ela é amante dos palcos da vida. Os holofotes estarão sempre voltados a ela, não tente dominá-la jamais!
Ela é forte como uma leoa e seu orgulho é feroz. Sua sensualidade é galante e possessiva, brinca com o descaso e a frieza.
Não siga o brilho dessa leoa na escuridão, pois mesmo sem fome, ela conquista, mata e come.
É generosa, segura, liberal e sabe como ninguém maquiar-se de suavidade. Mas acredite, seu sobrenome é tempestade.

Borboletas no estômago


Amante das mudanças que sou, deixo que as borboletas continuem bagunçando meu estômago.
Não preciso cerrar os olhos pra sentir o calor da novidade e o aroma doce de liberdade que invade minha rotina. De olhos bem abertos eu sigo o ritmo, como alguém que desconhece o medo. Porque nessas horas precisamos ser corajosos, as mudanças exigem valentia.
Acho graça e deixo as borboletas foliarem, elas sabem o que fazem e porque o fazem.
Se joga pra cá porque é tempo de viver a dança. Tempo de sorrir orelha a orelha. Tempo de agradecer. Tempo de chorar de felicidade. Tempo de quebrar as censuras e queimar velhos tabus.
É tempo de despir a vergonha e alvoroçar a cabeleira. É tempo de mandar um foda-se pro certo e errado, porque em tempos como esse os rótulos não têm vez.
É por tudo isso que eu deixo que as borboletas continuem a festa. Eufóricas e espontâneas elas cantam e brindam a chegada de novos tempos.
Porque a vida não espera quem tem preguiça de viver.

Liberdade me escreveu uma carta


Minha garota,

A vida resolveu te dar mais uma chance. Desprende agora esses pés do chão, vem excitar suas asas e voar mais alto, deixa o vento bater na cara, deixa eu te mostrar o que é ter motivo pra viver.
Vamos ser felizes à nossa maneira? Prometo a você infinitas borboletas no estômago.
Já lhe adianto, que não teremos tempo e espaço pra saudade.
Vem comigo, que eu me encarrego da sua felicidade pelas próximas estações.
Ansiosa que sou, já descartei aquelas antigas lembranças da sua gaveta secreta, espero que não se importe. E também já planejei nossa rota de fuga. Não falta mais nada minha pequena, vem comigo?
Eu quero muito mudar isso e sei que você também quer. Esse sorriso bobo de alívio e leveza estampado na sua face, nunca me enganou.
Já é tempo de partir, segura a minha mão e vamos promover a felicidade pelo mundo.

Ass: Liberdade

Permita-se


Com os pés descalços tocando o chão e sentindo a liberdade na palma da mão eu posso ser o que eu quiser.
Posso fazer da vida uma dança, meiga e travessa.
Ou posso fazer dela apenas uma trilha sonora modesta, ensaiada com algumas notas abafadas.
Posso fazer um sonho durar mais e posso fazê-lo tornar-se realidade.
Posso trocar a harmonia da dança quando as luzes se apagarem. E querer fazer tudo diferente quando elas se acenderem.
O importante é não parar de dançar. Não parar de viver. Para que não envelheças.
Para que não perca a admiração pelas pequenas coisas da vida e para que não deixe de apreciar as boas amizades.
Então, se renda às vontades e permita-se enquanto a dança se faz viva!

Meu fardo de cada dia


Minha pressa foi tão moleca, que não esperou a sensatez chegar para programar alguns conselhos práticos.
E hoje, o que mais dá saudade é o caminhar leve e despreocupado, é a dança, é o descompromisso, é o esforço pra se manter na linha. É o fechar os olhos, fazer um pedido e ver acontecer. Sinto falta da liberdade inocente e boba que um dia dormiu em casa. E dá saudade lembrar das manhãs descomplicadas que costumavam acordar por aqui.
Eu poderia não envelhecer, só para viver tudo de novo. Duas vezes mais. Com mais exageros. Mais riscos. Mais amor. Menos medo e mais acaso.
Ficar aqui, com os antigos livros ainda na estande e as mesmas fotos no retrato é desconfortante. O que era colorido já desbotou e as gargalhadas despreocupadas de antes já não soam mais pela casa. A saudade tem sido um fardo.
Eu sinto falta (só) de tudo.

Vá sem demora, minha menina...



Vai menina! Desloca sua loucura daqui e arrasta contigo seu sorriso juvenil. Não guarde seu tempo em caixinhas de papel machê, porque o tempo costuma não durar.
Não se demore e leve sua cor para o mundo, ensine a tristeza como é que se colore a vida e abuse das travessuras boas que haverão de cruzar seu caminho.
Ah menina! Contorne a vida com canteiros de flores vivas e cintilantes, que é pra solidão não te procurar. Aproveita e ensina uns truques de sobrevivência para o medo, que é pra quando for preciso, você arriscar com ousadia suas incertezas.
Minha menina, não seja tola. Se liberte e ame! Se permita apaixonar e se jogar sem restrições. Deixa que os abraços sejam calorosos, os sorrisos abafados e as gargalhadas incontidas.
Apesar dos amores, faça bons amigos. Porque acredite, são com os melhores amigos que experimentamos as histórias mais engraçadas e bizarras. E também são os amigos que nos deixam a saudade mais dolorida. Então menina, ame-os!
E se apresse. Deixa, que a bagunça de velhas recordações se ajeitarão com o tempo. Vá sem demora, porque a ansiedade não sabe esperar.
Libera esse caos que existe dentro de você e sela um compromisso com o acaso. Mas saiba que eu não ficarei no aguardo de notícias, porque eu confio em você e sei que criará a sua própria felicidade por onde passar. Agora vá, minha menina!

Os monstros brincalhões estão de volta



E lá vem de novo os monstros foliões brincar de pique esconde. Já faz tanto tempo, mas eles parecem não ter esquecido o caminho de casa.
Chegaram de longe, fantasiados de Ansiedade, Indecisão, Desespero e Desejo. Inquietos, pedem atenção à garota.
Ela despista, sussurrando que ainda seria cedo para lavar as taças sujas de vinho e jogar fora as garrafas vazias. Com um sorriso tímido e inseguro sugere desenhar um poema de palavras doces, pra poupar o tempo.
Mas a Ansiedade já exaltada protesta que não é tempo de brincar com a rima de palavras. E o Desespero emenda que o tempo não está para os prazeres. É tempo de se curar das nostalgias, tirar do rádio as canções dramatizadas e jogar no fundo do baú as velhas cartas de amor. Só as cartas. O amor você guardar em algum espaço restrito da lembrança, que é pra quando sentir falta, ter como lembrar aquelas manhãs regadas de doçura e das roupas espalhadas no chão, e sem esforço, ainda sentir o sabor doce do melhor beijo.
Enquanto ela ouve os conselhos controversos da Ansiedade, inquieto o Desejo perde a linha e faz pressão emocional.
A garota não suporta e chora, alegando estar apaixonada.
Ao ouvir isso, todos se calam, incrédulos se entreolham, como se pensassem em conjunto: "E agora?"
Sem reação, a garota de olhos grandes amassa os cílios curvados ao secar algumas lágrimas, enquanto espera pelo pior.
Neste meio tempo de eternidade, o Desejo ameaça fazer uma piadinha com o 'estar apaixonada', mas o Desespero corta a graça antes mesmo de ser pronunciada, aclamando que o assunto é sério e pode mudar toda a rota.
Todos concordam e se reúnem no canto da sala, em murmúrios, para decidir o destino da poetisa apaixonada.
A discussão toma conta da sala e é difícil entender os cochichos.Ela tenta decifrar uma possível decisão através do semblante das fantasias, que hora concordam, hora discordam.
Todos se expressam e opinião é o que não falta. A mais quieta do ambiente é a Indecisão, sempre tão embaraçada se mantêm calada, porém presente.
A garota passa os olhos pelos ponteiros e percebe que mais um pedaço de eternidade se passou e nada foi decidido ainda.
Curiosa e apreensiva ela aguarda seu destino ser declarado nas próximas horas.

Só quero sua brisa leve e quente




Há folhas se atirando do alto das árvores, anunciando um novo outono. A nova estação chega apressada, mas eu não quero correr o tempo, só quero deixar que o tempo me leve e me arraste de leve pra perto de você. Só quero viver nossas vidas de perto, de bocas juntas e mãos dadas.

Só quero me jogar no seu carinho, sem me importar com as horas que passam lá fora, só quero ouvir, viver e ver tudo de você. Quero sua língua desenhando meu corpo no inverno e me cobrindo de desejo nas próximas estações. Quero sua brisa leve e quente sussurrando bobagens ao pé do ouvido.

Sua brisa faz bem a minha pele, tenho rejuvenescido meu juízo com você e amadurecido meus desejos. Você é mais que um frio na barriga, é mais que um sabor doce na boca e mais que um pedaço de mim. Você admitiu ser ‘espaçoso’ e eu concordei, afinal... você chegou tomando conta da minha vida, das minhas vontades, dos meus planos e roubou minha atenção. Quando eu notei, estava pensando em você todos os minutos do meu dia, sem querer, por te querer demais.

Só quero me apaixonar por você de novo e todos os dias, até o fim do outono, começo do inverno e o nascer das outras estações. Eu não sei mais decidir se ainda quero, porque minha vontade já tem um sentido próprio e só sabe gostar mais de você, a cada dia.

É desse apego que eu estou falando...



Talvez eu precisasse acreditar mais que era seguro se permitir e andar pela contramão no único sentido certo. Tolice seria tentar fugir desse apego. Desses que não se tem como esconder, que bagunçam a vida, que lhe roubam o ar e fazem gelar a barriga.

É o tipo de apego que costuma fazer surpresa, chega sem pedir licença roubando a concentração e transformando a teimosia em doçura. É um apego que não vem sozinho. Vem acompanhado de chamegos, risos, conversas, mãos dadas e corpos colados.

Que aproxima e devora, deixando sabor de vontade. E me faz querer outros beijos molhados de desejo, com sabor de tentação.

Querer alimentar as vontades e enganar o tempo, que é pra desacelerar os ponteiros quando estou com você.

Querer sentir a pureza de sentimento no toque das suas mãos afastando meu cabelo do rosto. E nas brincadeiras, poder notar o quanto esse apaixonar é bobo e criança, sem deixar de ser sério e intenso.

É desse tipo de apego que eu estou falando. Um apego que me faz desejar semicerrar os olhos em você e adormecer sabendo que vou acordar ao seu lado. Um apego que chegou na hora certa.

Siga o tom da sua música...


A noite ainda respira do outro lado da rua quando o som da brisa, pedindo para entrar pela janela, rompe o silêncio.
E como todo silêncio partido já é um barulho, a música solta a voz.
Atrevida, ela abraça o ambiente ao som de um blues qualquer. Só pra começar a noite.
Fingindo importar-se com o jogo de passos, ela improvisa uma pista de dança. entre uma colcheia e outra, a combinação de notas despem a vergonha de uma noite acanhada.
Sem esforço, do rock ao samba ela perde a linha.
Em ritmo dançante a música parece sussurrar notas travessas e ousadas no ouvido da censura, que tímida e já corada cede ao embalo de uma cifra perfeita.
Então, feche olhos e siga o ritmo. Dance.
Ouça. Sinta. Deixa a música te tocar. Ela sabe o que faz.
Siga o tom da sua música, enquanto a lua ainda está viva lá fora.
Dance, enquanto somos jovens e o exagero ainda não saiu de moda.


Rotina descabelada


O relógio antigo, no centro da parede já descorada, desobedeceu a temporada de férias e correu pelo tempo.
Sem nada a perder, ela pediu aos céus paciência e um pouco de paixão, em troca recebeu um pacote de coragem e um convite à liberdade. Riu de graça e achou digno!
O tempo chegou e não ficou nem para uma xícara de chá quente. E o hoje já era ontem.
Com um sorriso feito de retalhos em tons de rosé, ela não esperava mais cerrar os olhos para sonhar de novo. Agora, já sonhava de olhos abertos, que era para se realizar logo. Já que o tempo andava de mãos cerradas com a pressa.
E o tempo não esperou mesmo.
Parecia ontem. Ainda cedo ela encaixotava tudo, com um sorriso desesperado estampando a inocência de uma beleza curiosa.
Prometeu ao vento ser forte nas quatro estações do ano e, sem pensar, partiu. Deixando para trás um afeto conhecido, uma amizade antiga e algumas promessas saturadas.
Enquanto outros se espantavam com indiferença e audácia, ela ria e, de braços dados com a liberdade, virou a próxima esquina sem querer olhar pra trás.
Lá fora, os limites não foram medidos e as vontades não ficaram para depois. O desejo sempre morou ao lado, atentando a insegurança e fazendo pirraça com a loucura, enquanto a coragem se mostrava uma amante fiel. Até a cura do tédio, ouvi dizer que ela reinventou.
E hoje, mal acostumada, ela já não compreende as normas como antes e as emoções, agora, são medidas pelo instantâneo.
O tempo continuou correndo, com ou sem pilhas nos ponteiros. Simples assim.
Entre uma estação e outra, ela só tentou deixar o bonito, ainda mais lindo, jogando fora as regras de sobrevivência. Porque a vida sem roteiros se tornou um retrato único, dessa rotina descabelada.

Doce ilusão


O estalos de uma garoa arranjada costuram, com linhas escuras, o céu lá fora. E arrasta pra cá, antecipadamente, o silêncio negro de um noite inquieta.
Algumas gotas finas parecem bailar aleatoriamente pelo ar e somem sem tocar o chão. Enquanto outras, com ar de desespero se jogam sem pensar e, como suicidas, se quebram no solo.
Os minutos não saem do lugar, mas a garoa que antes continha um ar de graça e ingenuidade, agora, conquista força e maioridade.
E ao ritmo de uma tempestade jovem, o receio pulsa forte.
Com o medo roçando a ponta dos dedos, ela quase abraça o desespero. E, em tempo, com as mãos frias tapa os ouvidos e cega os olhos com as pálpebras.

Até os ponteiros já sentem frio. E, por medo, o tic-tac do relógio anuncia um adeus desajustado. Agora, tudo parece imóvel aqui.

Quando, de surpresa, um som vindo da sala suaviza o frio de medo que apalpa os longos fios castanhos do cabelo jovem e, de leve, cria algumas notas de graça no velho piano Steinway.
O ritmo avança com veracidade as teclas empoeiradas e, com uma combinação de toques afiados, o volume alto soa chamando a atenção, ensurdecendo as vozes de chuva que, insistentes, ainda se penduram pela vidraça.
A curiosidade entra em cena e, jogando todo seu charme, provoca. Os traços delicados de garota já não resiste ao curioso e, então, ela abre os olhos. Mas, as extremidades cegas da noite limitam o olhar jovem.
Ainda assim, ela acorda a coragem e afasta-se direcionando os passos pelo corredor, apalpando com insegurança as paredes escuras.
O som do piano parece correr, em passos certeiros, de encontro a ela e, com força, abraça o medo restante, entorpecendo os sentidos. É como se as notas, com leveza e suavidade, dançassem graciosas pelo corredor, conduzindo-a até o centro da sala.
Ao toque leve e preciso de Comptine D'Un Autre Ete L'Apres Midi, os traços de garota iam surgindo tímidos na porta lateral da velha sala.
E agora sim, ela parecia poder enxergar tudo, ainda que o ambiente estivesse banhado pelo breu.
E lá estava. No canto direito da sala, lá estava ele. Concentrando uma beleza absurda na superfície das teclas.
Com uma confiança precisa na ponta dos dedos ele seguia o toque, redesenhando cada nota e transformando-as na canção predileta da jovem com traços delicados.
Ele voltara, como em dias de tempestades, para espantar daqui o medo.Doce ilusão. Pobre garota. Nada mais era real, como foi um dia.
Ele voltara sim, mas por poucas horas. Somente em tempos de tempestades e solidão.
Mas, no fundo, ela já sabia quase sem querer, que a chuva acalmaria e a doce ilusão se tornaria, outra vez, apenas uma lembrança amarga.

Eu não quero muito...


A lua hoje é cheia e o silêncio de uma nova madrugada pede rimas de um sentimento pagão.

Os faróis dourados lá fora já parecem cansados e, solitários, dançam uma valsa atrevida no centro de uma avenida qualquer.
Do lado de cá, eu não te peço muita coisa.
Apenas me dê uma noite e, talvez, um pouco da manhã.
Preciso adivinhar seus olhos e testar a tinta deste sorriso disfarçado pela ingenuidade.
Só quero saber do seu dia e o nome de um medo conhecido.
Eu sei, quase sem querer, que a noite é melhor assim.
Não espere que o convencimento te ensine um caminho fácil e não exija de mim um bom vinho.
Só por hoje, permita à noite perder o juízo e deixe a contradição se desviar dos olhos.
Antes que a noite acorde, leve daqui o meu sossego, que é para não perder a graça.

É tempo de...


Ocultas no fundo de uma caixa de memórias e carregadas de curiosidade, algumas letras entorpecidas refazem o sentido dos velhos cartões, enfeitados com um idioma delicado.

Um idioma pronunciado somente em finais de ano.
Palavras maquiadas de esperança e desejo que, entre uma frase outra, vão encorpando a capa e o centro de pequenos e grandes bilhetes.
Com um sabor quente de saudade e delineados por uma demasia engraçada, os cartões musicais de finais de ano abraçam o ambiente com um timbre baixo e afinado.
É chegada a hora.
O fim de ano anuncia e os cartões respondem.
É tempo de filtrar a singeleza da vida, reciclar as amizades e trocar um amor desbotado.
É chegada a hora de frear a pressa, desacelerar o arrependimento e, adormecendo os medos, selar um compromisso com o acaso.
É o momento de se concentrar para entrar em cena.
O ano novo já ensaia os detalhes finais de um roteiro desconhecido.
Agora, o grande desafio é abafar as vozes da ansiedade e sentir o pulsar firme da concentração.

Vaidosas e indiscretas...


Derrubando um charme agudo pelo caminho ela surge, graciosa em seus detalhes e delicada em seus contornos.
Desfila uma beleza esperta sob a folhagem verde bandeira de um jardim qualquer.
Seus passos certeiros e o pouso ágil parecem ensaiados.
Sem pressa e disfarce move uma exuberância vaidosa, sob os costumeiros mantos em tom de escarlate. O visual, trabalhado com exatidão de formas, exibe uma maquiagem impecável, delineadas por pequenas bolinhas pretas.
Belas e vaidosas seguem o amanhã, como turistas por jardins desconhecidos, derrubando traços de meiguice por onde passam.
Porque joaninhas são assim, simples e indiscretas.

Levo comigo o apego...


Ao lado da meia noite deixo para traz o desejo e levo daqui a saudade, embrulhada em um papel pardo envelhecido.

Os faróis já correm quente, de um extremo ao outro da avenida.
O medo vai seguindo a rota do vento, acariciando os fios de cabelo solto, que de passo em passo, brincam de pisque-esconde pela brisa noturna.
Agora, as pilhas da lanterna já piscam lentamente de cansaço e me pedem pra voltar.
O silêncio vai carregando a afeição para longe e a noite se arrasta pelas ruas vazias de gente, acariciando algumas lágrimas desobedientes.
Em passos lentos e largos vou filtrando os sons da noite, na tentativa de encontrar um último adeus, um só ruído, antes que a lanterna seja tomada pela cegueira.
Antes que a noite acorde, o vento mude a rota e o tempo se vá, derrubando pelo caminho as saudades de um amor.

Bonecas de pano também amam...


Enquanto as últimas estrelas ensaiavam os passos finais para entrar em cena, a noite chegava para cumprir os desejos repetitivos de uma rotina exigente.
Apressadamente ela ia terminando de tecer, com um laço em tons de nude, a segunda parte de uma trança curta que, delicadamente, era sobreposta sobre os ombros.
Os detalhes do vestido rendado dançavam em harmonia com a delicadeza de uma face rosada.
Os olhos eram grandes no escuro e, deles, destacava uma ansiedade incontida.
A respiração do vento noturno entrava pelas frestas da janela e, sem pedir licença, acariciava de leve os traços de boneca.
Era chegada a hora.
Do alto da estante descia graciosa a garota de pano e, pelo centro da sala, desfilava encanto, com gestos maquiados de realidade.
Sem olhar para traz, partiu em busca daquele amor de contos.
Porque bonecas de pano também amam.

O medo de amar estava fora de moda...


Ela sempre soube, mas preferiu ignorar os antigos manuais.

Rasgou os argumentos de uma solidão conhecida e maquiou outros significados para ir além.
Relevou algumas descrenças e desmascarou as ilusões.
O plano parecia dar certo e torná-lo perigoso era empolgante.
Enquanto desafiava a loucura, dissimulando os desejos, outros diziam que ela havia perdido a noção do risco.
Aprendeu o descompasso de um ritmo desconhecido e atormentou o silêncio da tristeza com um riso incontido.
Jogou com algumas cartas camufladas e intimidou as razões avessas, seduzindo o vazio de uma noite monótona.
O que ela não havia notado, ainda, é que o medo de amar estava fora de moda.
A solidão já não voltara pra casa há dias e as letras de uma canção antiga tinham, agora, pronuncias de amor.
Era tarde demais para sair em busca de outras explicações.
Ela estava apaixonada.

Desprenda seu apreço daqui...


A poeira fina vai, pela contagem do tempo, sendo derrotada pela gravidade e desaba com leveza no assoalho escuro e largo.
Sem expressão meus olhos nus se jogam contra as caixas no canto de uma poltrona antiga. E na procura de argumentos sensatos, o descaso grita palavras indecifráveis enquanto a veracidade sufoca algumas lágrimas. Sem entender, o lamento arrisca suas forças pelas linhas da face.
Só queria esquecer as prorrogações, as frases bem elaboradas e o flerte perfeito. Só assim seria possível reorganizar os sentidos invertidos.
Observe indiscretamente estes últimos gestos e não pronuncie palavras em timbre que os outros possam ouvir.
A poeira já descansa como criança e tudo parece querer voltar para a versão habitual da rotina.
Aumente o volume para que a razão ganhe voz e desprenda seu apreço pela minha graça.
As caixas já estão feitas.
Leve-as daqui e, em silêncio, sinta o toque de um último beijo.

Letras sem rima...


Tarde demais para ajustes de última hora.
A noite já segue mapeada pelas luzes e o silêncio embala algumas danças de lá.
Os anseios já não são as únicas atrações daqui, agora, noções controvertidas entram sem pedir licença.
Coloco a pressa para dormir e rasgo a noite distraindo a saudade.
Lá fora, a lua é cheia e não é difícil perceber que eu tento não deixar sombras no asfalto úmido.
Eu finjo ter calma nas curvas e distração nas retas, enquanto o orvalho cristaliza e avança sem ponderar. Tentando decifrar as normas, adormecendo os medos e calando um amor antigo.
Convencida pelo cheiro de poeira que encapa as lembranças, desperto algumas letras sem rimas que, perdidas, tentam remodelar alguns anseios e pilhar outros poemas, enquanto a imaginação decifra um novo enredo e projeta um drama solitário.